Bandeirolas, pipoca, quadrilha. Aprendendo a língua de sinais, pessoas com deficiência auditiva curtem a festa junina e se inserem na sociedade
Assim se diz verde: na hora de decorar a sala de aula,
a turma conhece as cores. Foto: Edson Ruiz
Sergipe tem nos festejos juninos sua maior expressão cultural. Na escola, a garotada aprende a importância de manter viva a tradição e, é claro, dança quadrilha e se delicia com as guloseimas. O sonho da professora Loide Araújo Guimarães, da Escola Municipal de Educação Infantil Ana Luiza Mesquita Rocha, em Aracaju, era que, em sua turma, todos (sem exceção) compreendessem a riqueza da celebração. Um desafio e tanto. Loide é responsável por uma sala de recursos e, no ano passado, entre os oito alunos havia três com deficiência auditiva e idade entre 4 e 5 anos. "Para participar da festa com as outras crianças eles precisavam conhecer aquele universo por meio da Língua Brasileira de Sinais", justifica.
Mais sobre inclusão
Reportagens
Ao basear seu trabalho no ensino da Libras, Loide está no caminho certo. "A primeira língua a ser usada por pessoas com deficiência auditiva é a de sinais. É a Libras que vai dar base para a aprendizagem da segunda língua, no caso o português", explica Maria Inês Vieira, da Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Em Aracaju os meninos passam entre 45 minutos e uma hora e meia por dia com Loide, antes de ir para as classes de ouvintes. O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil sustenta a inclusão de pessoas com deficiência auditiva nas atividades regulares como meio de favorecer o desenvolvimento de várias capacidades, como a sociabilidade. Para facilitar esse trabalho e torná-lo mais produtivo, Loide também auxilia as outras educadoras, ensinando-as a se comunicar com os garotos.
Síntese do trabalho
Tema: Inclusão e linguagem
Objetivo: Promover a inclusão de pessoas com deficiência auditiva no ambiente escolar, na família e na sociedade, por meio do ensino da Língua Brasileira de Sinais (Libras)
Como chegar lá: Trabalhe com a garotada o vocabulário referente a um determinado tema, como a festa junina, em Libras e em português escrito. Faça com que as crianças participem de todas as atividades planejadas pela escola para as demais turmas, como aulas-passeio em que a temática do projeto seja explorada. Ensine a língua de sinais também a funcionários, professores e familiares dos alunos, para que todos se comuniquem cada vez mais com as crianças
Dica: Uma maneira de envolver as famílias no projeto é reservar um tempo, após a aula, para ensinar às mães as palavras e expressões trabalhadas em classe
Festa de São João
Excursão ao mercado municipal de Aracaju:
Loide ensina aos pequenos José Edson e
Dayvid quais são os ingredientes dos
pratos típicos juninos. Foto: Edson Ruiz
Quando decidiu criar um projeto específico sobre a festa de São João, Loide contou com a colaboração da pedagoga Margarida Maria Teles, especializada em educação de surdos. "Queríamos evitar que as crianças ficassem alheias ao que acontecia à sua volta, como espectadoras", afirma Margarida. Traduzindo para a Libras muitos dos ícones relativos às comemorações, as duas permitiram a todos participar da construção coletiva dos festejos - não só imitar os colegas.
Rita de Cássia conversa com o filho Dayvid
na língua de sinais: a participação das
famílias é essencial para ao progresso
das crianças. Foto: Edson Ruiz
Na realização do projeto, que durou cinco semanas, Loide envolveu as demais professoras e também os familiares. O comprometimento dos pais é essencial para o progresso dos alunos nessa faixa de idade. "Todos os dias busco saber as palavras que meu filho aprendeu para me comunicar com ele", conta Rita de Cássia Hilário, mãe de Dayvid de Jesus, de 6 anos.
Com o objetivo de reforçar a aprendizagem do novo vocabulário, Loide colocou na sala um varal com cartazes. Cada um tinha o nome de uma comida, escrito em português e no alfabeto digital (em que cada gesto significa uma letra), e ilustrado com desenhos representando a língua de sinais. "As crianças tinham de relacionar os cartazes às figuras correspondentes", explica. Toda a decoração da sala alusiva ao tema também era acompanhada de reproduções dos gestos na Libras. Nas tradicionais bandeirolas, a professora desenhou o sinal correspondente a cada cor.
A classe de Loide participou, com o restante da escola, de uma excursão pela cidade decorada com motivos juninos. O grupo visitou o mercado, lotado de barracas com comidas típicas. "Durante o passeio eu ia ensinando o que era cada coisa, em português e na Libras", lembra-se. Depois a turminha foi à casa do estudante José Edson Sousa e ajudou a mãe do garoto a preparar diversos pratos, identificando os ingredientes aprendidos em aula.
A hora da grande festa: na barraca das
comidas, Margarida entrega a Dayvid
a laranja que ele pediu enquanto
José Edson espera sua vez.
Foto: Edson Ruiz
No dia da festa no colégio, sanfoneiros foram chamados para garantir a animação. Observando os colegas, os alunos com necessidades especiais também dançaram a quadrilha. "Eles sentem a vibração da música e a integração com os ouvintes é salutar", elogia Solange Rocha, professora do Instituto Nacional de Educação de Surdos. Finalmente, na hora de pedir as comidas, ninguém precisou apontar. Bastava fazer o sinal correspondente, na Libras, para ser servido. Maior prova de sucesso não poderia haver: a escola tinha se transformado num espaço de integração - via educação.
Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/inclusao/educacao-especial/sao-joao-traduzido-libras-424486.shtml
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